sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Pacote de viagem sobre encomenda




Cheguei à agencia de turismo com uma idéia completa do que queria para minhas férias do meio do ano. E não adiantava nada do que a mulher me dissesse, eu teria uma resposta convincente para aquela ladainha dela de vendedora de viagens.

- Procuro uma viagem em que eu possa me divertir e me distrair, estou precisando de férias. Mas estou sem muito dinheiro ou tempo, então eu quero algo assim: ser mochileiro (levar pouca coisa na ida) e quem sabe voltar com algo novo e legal. Ter uma lista de indicações de lugar pra dormir porque posso passar a noite numa cidade e amanhecer em outra, ou algo do tipo. Acho que a Europa é legal, posso conhecer vários países pegando um trem ou outro transporte barato  também não vou precisar de livros porque vou ficar vendo as lindas paisagens pela janela. - pausa pra refletir. - Também prefiro calor, não me dou muito bem com o frio das cidades ou do coração das pessoas. Então, no resumo é isso, o que tenho para junho ou julho?

Nem um elogio da mulher por ter feito minha escolha antes eu recebi e isso em incomodou. Tentei esquecer esse detalhe.

- Então, Sr Logan... - ela começou, mas logo a cortei dizendo que o Sr estava no céu embora eu fosse ateu. Não, eu não comentei a parada de ser ateu com ela. - O Sr é um pronome de tratamento que utilizamos quando não temos muito contato com a pessoa, mesmo assim Logan acho que encontrei o pacote de férias para o senhor perfeito.

Ela abriu o plano de viagem na minha frente me mostrando todas as probabilidades que eu teria de encaixar meus planos de diversão naquela viagem e sem muita demora eu comprei o kit. Dentro de 15 dias eu estaria viajando para meus 15 dias de diversão que seriam perfeitos.

Um mês depois eu estava voltando lá com uma lista de reclamações para aquela atendente vagabunda: minha viagem tinha sido uma merda.

- EU QUERO FAZER UMA RECLAMAÇÃO! - eu falei entrando na sala onde minha atendente me olhou com espanto depois que interrompi sua gargalhada.

- Sr Logan. Entre. - ela falou sorrindo para a garota que estava na cadeira da frente dela com uma mochila aos seus pés e uma copo de café gigantesco, me ofereceu uma cadeira e abriu seu livro de reclamações e sem esperar eu comecei meu discurso.

- AQUELA VIAGEM FOI UMA MERDA! - eu gritei e contei triste a viagem para a Europa onde incluiu um albergue que não me aceitou, um hotel de quinta categoria, uma viagem de trem no dia que mais choveu na Europa e não pude ver nada das paisagens e até inclui minha frustração de não poder ver o show que eu queria ir e não consegui.

- Certo. - ela falou. - Mas o senhor vai ter que esperar um pouco, temos outra pessoa para que chegou mais cedo e também veio reclamar.

Eu virei minha atenção para a garota que usava apenas uma blusa branca social dobrada de forma elegante, um calça jeans e uma sapatilha nos pés. O cabelo preso num coque folgado e na cabeça um lenço como as pin up's de antigamente. Ela era linda.

- Bem, eu vim dizer que também não fui aceita no albergue e que isso deveria me garantir um reembolso, mas embora eu tenha tido uma viagem tão ruim como a do Sr. Logan aqui do meu lado, eu não tenho muito do que reclamar. - ela falou tomando um gole de café.

- Não venha me dizer que você comprou o mesmo pacote de viagens que eu e ainda se divertiu no tanto de azar que tivemos... - eu falei ironicamente.

- Sim. - ela falou calma.

- Posso saber como? - eu falei me virando pra ela e encarando-a de forma séria.

- O albergue também não me aceitou, mas em vez de ficar reclamando com eles e gritando que nem uma louca no saguão, eu perguntei se eles conheciam a filial dessa agência de viagens no país deles, ou onde ficava a Embaixada do meu país. Além dessas informações, ganhei uma indicação de um senhor muito calmo e idoso que falou de uma pousada barata e aconchegante mais para os limites da cidade. - ela falou me olhando. - Me perdi pela cidade, cheguei atrasada no show e não consegui entrar, mas em vez de chorar eu fiquei olhando para um outro grupo de fãs que não acharam ingressos até que eles me acolheram na roda de violão deles e a noite acabou num pub barato com karaokê duvidoso. No dia que peguei o trem chovia muito, mas isso me fez andar por ele e descobrir além de pessoas tão diferentes, o trem tinha um biblioteca pequena com livros de todos os lugares do mundo, até um livro em português. Sentei-me na poltrona e sorridente acolhi o chá que me serviram e os barulhos da chuva que me acalmavam quando me dedicava a leitura. Uma viagem que definitivamente não estava como eu queria, mas mesmo assim foi excelente.

- O que você queria que eu fizesse? - eu falei emburrado. - Que eu entregasse minha vida ao acaso e a um bando de desconhecidos e esperassem que eles salvassem minhas férias? Não seja imatura.

- E ficar de mal humor por causa que não conseguiu seguir metade dos seus planos por forças maiores é o que? Senso de responsabilidade? Acho que não. - ela respondeu dando de ombros.

- Não posso colocar minha vida na mão de forças misteriosas que não acredito. - falei depois de alguns segundos de silêncio.

- Você acha que coloquei a minha vida na mão de forças misteriosas? - ela falou me olhando. - Não penso desse jeito. Eu penso que coloquei as minhas frustrações de lado e tentei encarar o que a vida tinha de bom naquela oportunidade. Se você tivesse parado cinco minutos de gritar e tivesse olhado para além dos seus problemas perceberia que no mural atrás do informante do balcão havia vários anúncios de hotéis alternativos. - ela comentou ao terminar seu café.

- Mas você perdeu o show que queria ir! Não tem como reverter isso. - eu falei quando ela estava se levantando e indo embora.

- Eu perdi um show na Europa, mas ganhei amigos novos e que me divertiram porque também haviam perdido um show. E o que você ganhou além de brigar com as pessoas a sua volta? Nada. - ela falou assinando o livro de reclamações e se retirando da sala.

- O que foi isso? - eu perguntei olhando pra atendente que estava sorrindo indiferente a mim.

- Isso foi uma lição de vida, Sr. Logan. Quantas vezes o senhor vai poder viajar e falar assim: eu me perdi, tive uma viagem que era pra ser horrível, mas consegui tirar algum proveito disso? Poucas. Me desculpa a sinceridade, mas o senhor com um pouco mais de quarenta anos deveria estar dando lições de vida a garota de vinte e poucos anos que estava a sua frente, e não o contrário.

Eu sai de lá cerca de uma hora depois, já que como procedimento eu tinha que relatar tudo que tinha pra reclamar em detalhes, o que me deixou afundado numa cadeira. E no final das contas, apenas a parte do albergue era culpa da agência, o resto foi apenas desventuras em séries. Quando sai de lá eu fiquei olhando pra lanchonete à minha frente até entender o que estava focalizando: a garota da agência de viagens. Sem pensar duas vezes eu atravessei a rua pronto pra seguir aquela garota. Quem sabe ela me ensinaria a fazer um "pacote de viagem sobre encomenda" perfeito? Foi nisso que eu estava pensando quando toquei no braço dela, só não sabia que seria naquele par de olhos verdes escuros que iria encontrar uma real razão para amar...

Continua... 


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