Que me perdoem os fãs de Gabriela e sua pipa, de Tieta e
suas aventuras no agreste, de Dona Flor e seus dois amores ou da morte de Quincas.
Não li todos os livros de Jorge Amado e talvez nunca venha a ler. Mas digo aqui
com orgulho que sou fã de Pedro, Dora, Gato e seus amigos. Li Capitães de Areia
muito nova ainda, deveria ter uns 13 anos na época e ainda me lembro da cara da
bibliotecária me dizendo carinhosamente que eu deveria voltar a olhar a sessão
de Narizinho e seus amigos, não aceitei seu conselho e voltei pra casa com o
livro nos braços.
A leitura era um pouco complicada para meu pouco vocabulário
na época, mas a sensação de leitura me agradava tanto que eu não queria parar.
Fui assim inserida no trapiche e nas ruas da Bahia onde esses garotos de rua,
pequenos ladrões e homens de alma já viviam suas aventuras. Imaginei-me na
Bahia pelos olhos dele, onde tudo era diversão, onde o areal era lindo e as
negrinhas eram bonitas. Onde a água do mar era linda e o céu era um convite a
ficar amando aquelas terras.
Depois desse livro nunca mais um carrossel foi o mesmo pra
mim, assim como toda vez que vejo algo de cangaceiro lembro de Volta Seca,
assim como a reza de Pirulito pra mim vai ser sempre a mais bonita e honesta, e
assim Gato e Professor me ensinaram ginga e paixão pelos livros. E acima de
tudo Pedro Bala me ensinou a ser um chefe decente e correto, embora eu nunca
chegue a ter um grupo de ladrões já homens para comandar. Aprendi a amar e ser
uma boa mãe com Dora, e assim também mantive em segredo minha vontade de cuidar
de Sem-Pernas.
Anos depois, já no ensino médio minha turma da escola teve
que fazer um trabalho com o tema de Jorge Amado, recordo-me de rapidamente
indicar Capitães da Areia para a peça de teatro, ficando responsável pelo
roteiro e ensaiar os atores. Aquela sensação de ser um Capitão de Areia, nem
que seja por 15 minutos me dominou de felicidade e quando vesti minha roupa em
frangalhos pude sentir-me estupidamente livre e feliz. A peça não foi das
melhores, mas eu era livre naquele palco como aqueles garotos eram no livro,
não havia um areal na minha frente ou o calor da Bahia, mas havia uma chama tão
grande e acolhedora no meu coração que em fez amar esse livro desde o primeiro
momento em que o li.
E no fim do livro, quando eu percebi que meus amados
Capitães seguiam seus destinos, tristes ou felizes eu chorava de orgulho e dor.
Dor por saber que a vida deles foi e era sofrida, e talvez continuasse até
muito depois embora isso nunca chegasse a ser narrado no livro, mas havia o
orgulho. O orgulho de ver que eles se tornaram homens melhores que muitas
pessoas por ai nesse mundo e que eles serão um daqueles heróis que temos e
poucas pessoas entendem. Talvez muito de vocês não compreendam o que pequenos
ladrões podem fazer na vida de uma garota como eu, mas mesmo assim eu gostaria
de agradecer a Jorge Amado por esse livro, sem ele eu não teria orgulho de
dizer que tenho heróis brasileiros como referencia. Obrigada meu Jorge e com
certeza Amado.
Segue abaixo Trecho do Livro “Capitães da Areia”
"No começo da noite caiu uma carga de água. Também as
nuvens pretas logo depois desapareceram do céu e as estrelas brilhavam,brilhou
também a lua cheia. Pela madrugada dos Capitães da Areia vieram. O Sem-Pernas
botou o motor para trabalhar. E eles esqueceram que não eram iguais às demais
crianças, esqueceram que não tinham lar, nem pai,nem mãe, que viviam de furto
como homens, que eram temidos na cidade como ladrões. Esqueceram as palavras da
velha de lorgnon. Esqueceram tudo e foram iguais a todas as crianças,
cavalgando os ginetes do carrossel, girando com as luzes. As estrelas
brilhavam,brilhava a lua cheia. Mas, mais que tudo, brilhavam na noite da Bahia
as luzes azuis,verdes,amarelas,roxas,vermelhas, do Grande Carrossel
Japonês."
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